“Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.” Arthur C. Clark.
Tecnologia, por ora, refere-se à dimensão natural dos sistemas vivos, de incrível complexidade e sofisticação: o tapete tecnológico da Amazônia tem capacidade funcional avançadíssima, interagindo com outros seres vivos e influenciando a atmosfera e a hidrosfera como verdadeira máquina de regulação ambiental.
Desta forma, a ecohidrologia amazônica pode ser entendida através de cinco segredos:
1. A floresta mantém úmido o ar, visto ser capaz de transferir à atmosfera grande quantidade de água do solo através da transpiração;
2. Além disto, as árvores também emitem substâncias voláteis que auxiliam na condensação do valor d’água, proporcionando fartas e benignas chuvas em ar limpo;
3. A Amazônia ainda é capaz de sustentar este ciclo hidrológico em condições externas desfavoráveis, sobrevivendo a cataclismos climáticos, através do fenômeno da bomba biótica: a transpiração abundante conjuntamente à intensa condensação rebaixa a pressão atmosférica sobre a floresta, permitindo que o ar úmido sobre o oceano adentre o continente, mantendo as chuvas;
4. Esta capacidade de manutenção da umidade e das chuvas não fica restrita apenas à área da floresta: esta exporta rios aéreos de vapor, responsáveis por transportar água a outras regiões hemisféricas, possibilitando chuvas fartas;
5. A condensação uniforme e o adequado funcionamento da bomba biótica impedem, ainda, a formação de fenômenos atmosféricos catastróficos, como furações e tempestades, pois dissipam e distribuem a energia dos ventos, impedindo sua concentração em vórtices destrutivos, e removem lateralmente a umidade oceânica, retirando o alimento energético das tempestades: o vapor de água.
Consequentemente, a devastação da floreta prejudica a dinâmica de chuvas e a umidade do ar, pois reduz a transpiração, prolongando as secas. Estima-se que a remoção de aproximadamente 40% da floresta oceano-verde deflagrará a transição do modelo de equilíbrio vegetação-clima favorável à floresta (úmido e atual para a bacia amazônica) para aquele favorável à savana (mais seco, atual para o Cerrado), o que acarretará na liquidação das parcelas não desmatadas da floresta.
É claro, portanto, que o equilíbrio funcional da Amazônia é primordial para a manutenção do clima adequado não só na região próxima à floresta, mas também naquelas regiões distantes, que ainda assim têm no oceano-verde a regulação de suas chuvas e de seu equilíbrio climático.
Uma análise mundial dos arranjos e simetrias de florestas e desertos destacará três cinturões: um de florestas ao redor do Equador, e dois de desertos nas regiões dos trópicos de Câncer e de Capricórnio.
Tal organização é explicada pela circulação de Hadley: a maior incidência solar na zona equatorial favorece a ascensão de ar, que ao se resfriar faz chover, possibilitando florestas. O ar seco, então, desloca-se nos dois hemisférios para a região dos subtrópicos e quando desce e se aquece retira umidade do solo, favorecendo a formação de desertos.
A parte centro-meridional da América do Sul – Cuiabá ao Norte, São Paulo a Leste, Buenos Aires ao Sul e as Cordilheiras dos Andes a Oeste – tenderia à aridez se obedecesse à circulação de Hadley, contudo consiste em exceção. Percebeu-se que grande parte do vapor de água oceânico que adentrava a atmosfera Amazônica não era escoado por sua via terrestre, sugerindo a exportação da umidade para outras regiões continentais, irrigando outras bacias hidrográficas.
Em 1992 o conceito de rios atmosféricos foi introduzido para descrever “fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de água como vapor, tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo Rio Amazonas (que tem vazão de 200 milhões de litros por segundo – ou 17 bilhões de tonelada por dia)”. Posteriormente, foi descrita por José Marengo e colaboradores a ligação entre os ventos alísios úmidos do Atlântico equatorial com os ventos sobre a grande floresta até o Andes, e daí sazonalmente para a parte meridional da América do Sul.
A este fenômeno denominou-se jatos de baixos níveis, de conceito muito similar ao dos rios atmosféricos. Portanto, descobriu-se na América do Sul um sistema de monções semelhante ao asiático: devido aos efeitos da intensa transpiração da floresta, em conjunto com a barreira de 6 km de altura formada pela Cordilheira dos Andes, o ar úmido amazônico faz a curva no Acre e transporta significa quantidade de vapor de água para a região centro-meridional sul-americana, contrariando a aridez esperada e permitindo fartas chuvas durante o verão.
Os rios aéreos, então, são responsáveis pela conexão entre regiões doadoras de umidade e aquelas receptores de umidade. Estudos revelaram que o desmatamento enseja a diminuição da precipitação a jusante dos ventos e o consequente retardo no início da estação úmida, prejudicando a estabilidade climática e, consequentemente, o setor agrícola, por exemplo.
Em 2005 e em 2010 ocorreram os piores impactos da estiagem do século; a título de exemplo, emergiram pela primeira vez pinturas rupestres feitas nas rochas do fundo do rio Negro, quando o nível do mar estava 100m abaixo do atual. Estes eventos são claros indícios de fadiga no sistema de manutenção do equilíbrio climático amazônico, incapaz de se recuperar dos intensos impactos sofridos.
O desmatamento é o principal fator responsável pelo acirramento da seca e dificuldade de regeneração da floreta: sem as árvores não há como a bomba biótica funcionar, diminuindo a umidade sobre a região, o que possibilita queimadas, que potencializam os efeitos do desmatamento, criando verdadeiro ciclo destrutivo, até atingir o ponto de não retorno: reação em cadeia em que “o sistema vivo da floresta, brutalmente desequilibrado, saltará para outro estado de equilíbrio”.
Antônio Donato Nobre indica cinco medidas a serem urgentemente adotadas na tentativa de reverter os efeitos do desmatamento sobre a Amazônia e, consequentemente, sobre a região centro-meridional da América Latina:
1. Disseminar o papel fundamental da floresta para o clima, bem como os efeitos decorrentes do desmatamento, de forma simples, a fim de sensibilizar a população;
2. Erradicar a complacência e a procrastinação com a destruição, adequando as leis às demandas da realidade. Isto inclui a revisão dos estímulos aos ciclos econômicos, da demanda de mercados por madeiras e produtos agrícolas e da regulamentação dada às hidrelétricas e outros programas de desenvolvimento;
3. Acabar com as formas de ignição decorrentes de atividades humanas, a fim de impedir que o fogo, a fumaça e a fuligem danifiquem a formação de nuvens e chuvas;
4. Reconstruir e recuperar o passivo do desmatamento, vez que a erradicação deste, embora obrigatória, não é suficiente. A reconstrução, em regra, ocorre naturalmente, através de sementes e esporos ou do processo de regeneração das árvores em clareiras; contudo, quando muito intensos os efeitos, é necessário o plantio de espécies nativas. Faz-se necessária também a otimização da agricultura e outras atividades econômicas nas zona rurais, aumentando a capacidade produtiva e abrindo espaço para o reflorestamento;
5. Fim da procrastinação do governo e da sociedade em geral em adotar medidas reversivas do quadro, com superação da burocracia e financiamento de projetos alternativos e benéficos.