A frágil sustentabilidade da amazônia

A noção de Progresso – e a relação do Estado Brasileiro com sua obtenção – é uma questão central para a compreensão sobre as políticas públicas em relação à Amazônia e seu patrimônio ambiental, lançando suas raízes no século passado e no “Milagre Econômico” experimentado pelo país durante parte da década de 1960, no Regime Militar. O crescimento do PIB e redução da inflação decorreram de um modelo tóxico de política que se funda na desigualdade, num molde dual de políticas públicas que, de várias maneiras, concentra o capital e os recursos nas camadas ricas e desenvolvidas em detrimento das classes baixas.

Francisco de Oliveira, na sua Crítica da Razão Dualista, expõe como o povo brasileiro, iludido pela promessa de progresso, alienou-se em relação à Amazônia, cujo atraso sempre fora atribuído a fatores isolados (tais como cultura, carência tecnológica, etc) e prendeu-se à busca incessante de crescimento – enquanto o Estado Central, corporativista, desenvolvia políticas voltadas ao Capital. Resultado disso é que a exploração incessante dos recursos humanos e naturais da Amazônia, incentivada política e financeiramente pelo Estado, estende o abismo entre as classes trabalhadoras e dominantes.

O elevado índice de imigração para a região norte na última metade do século XX e a extensão da agropecuária e do extrativismo, incentivados pelo Estado, exerceram uma grande pressão sobre os recursos naturais locais. A exploração de commodities na Amazônia, tanto por trabalhadores locais quanto por imigrantes, associada à incessante “modernização” da região pela instalação de infraestrutura para o aumento da produção criou um modelo social, econômico e ecológico insustentável, que reproduz pobreza e degradação e perdura ainda hoje, uma vez que sustenta o modelo Capitalista-corporativista de Estado e mercado.

O Bioma Amazônico é dotado de um equilíbrio intrinsecamente delicado, formado por ciclos sensíveis que tem influências ecológicas e climáticas em nível global, o que atraiu, nos últimos anos, a atenção de diversas entidades para sua preservação e recuperação – o avanço da degradação tem sido controlado por efeitos de tratados econômicos internacionais que desvalorizam commodities produzidas em áreas de desmatamento – ainda que limitados à determinadas regiões e não seja observável em relação ao Cerrado, por exemplo, onde a exploração tem, ainda, aumentado.

Em função dessas políticas duais e de um mito coletivamente aceito da infinidade da Amazônia, a exploração pelo agronegócio, por exemplo, é a mais predatória e degradante possível – o que culmina na degradação, em 2013, do que se estima representar quase 1/5 da área total da Floresta, com incentivo do Governo Federal, que financia a monocultura, forma de exploração que é essencialmente agressiva ao sistema amazônico, fundado na megabiodiversidade. A exploração mineral de produtos semielaborados iniciada na década de 1970, fundada também no progresso e na modernização, depende ainda hoje da queima, desmatamento e da disposição de rejeitos tóxicos em recursos hídricos – além da abertura de crateras gigantescas e irreversíveis. A região tem a maior diversidade mineral aproveitável do planeta e as técnicas de extração não foram substancialmente melhoradas em quase 50 anos.

Tudo isso em função de um ideal falso de crescimento econômico, considerando que nos casos expostos, a produção se destina quase totalmente à exportação de produtos in natura ou semielaborados – ainda sujeitos a industrialização – que geram renda, empregos e impostos fora do país, formando os chamados “Enclaves econômicos”.

A exemplo disso, a Amazônia passa a ser vista também como polo de interesse para a produção de energia elétrica, tanto para sustento dos parques minerais e siderúrgicos locais quanto para o país – a exploração do potencial energético das bacias hidrográficas amazônicas começa a ser discutida em 1987 e prevê a instalação de dezenas de usinas na região ao longo dos anos. Como resultado das políticas corporativistas e dualistas, a população regional é que arcou com a degradação e, ainda, com elevadas taxas pelo uso da energia, visto que parte desta é cedida a preços subsidiados às mineradoras e que a geração de energia em outras regiões gerava custos que eram compensados aqui. Isso se soma ao fato de a própria construção e instalação dessas usinas incorrerem em preços até quatro vezes maiores que os planejados, sem que os principais beneficiários – os controladores do capital – sequer participassem da repartição de custos.

Ecologicamente, a barragem de rios largos e planos, como os da região, incorre em formação de imensos lagos que submergem vasta parcela da fauna e flora local e leva à desequilíbrios de várias ordens, como a proliferação exagerada de insetos e doenças e o deslocamento de populações inteiras de seres humanos e animais, com consequências ecológicas e sociais incalculáveis. Além do custo ambiental, a “modernização” da região causou um aumento de 1000% da população em menos de 30 anos, que gerou desemprego, descontrole social, pobreza e violência na região.

O deslocamento de povos nativos e a constante violação de seus direitos quando da construção, operação das usinas, instalação de rodovias e ferrovias, e da chegada de fazendeiros e posseiros reflete um outro aspecto: conflitos entre os invasores e os povos locais, hipossuficientes, tanto quanto entre os nativos em si, que agora precisam disputar por área, comida e recursos. O modelo atual de extração mineral, que se dá em grande parte em terras indígenas, potencializa esse problema e causa uma cultura de conflito na região, tanto em função dos recursos quanto em defesa do discurso falacioso do Progresso, que trata as populações nativas como entrave ao desenvolvimento e à civilização.

Esse modelo de concentração da renda e da produção em determinadas regiões, desconectadas do resto do país e dos legítimos interesses locais, acaba por causar prejuízos em dois níveis: o volume grosso da riqueza é apropriado pela União e pelos controladores dos meios de produção e capital, e a pequena parcela que é internalizada regionalmente fica concentrada em um ou alguns municípios – culminando, por exemplo, no fato de apenas um município do Pará, que recebeu generosos volumes de dinheiro investido, apresentar Índice de Desenvolvimento Humano superior à média nacional.

Na Amazônia Legal, e em especial no Pará, vive-se com a menor faixa de renda do país, com proporções alarmantes da população vivendo em pobreza e com os piores indicadores gerais de educação, saúde e qualidade de vida – um forte contraste com os índices econômicos de exportação/importação do estado, sempre em largo superávit – o que demonstra que o modelo de enclaves, exploração de commodities e corporativismo estatal, sempre em nome do progresso, é inerentemente disfuncional e insustentável. Ainda assim, o estado brasileiro sacrifica seus recursos naturais, a dignidade humana das populações ativas, o próprio futuro do povo local ao assumir uma posição histórica privilégio das elites e do capital em disfunção das prerrogativas Constitucionais de igualdade e de proteção da soberania nacional. Esse modelo, chamado aqui de desenvolvimento degenerativo, ameaça o maior, mais complexo e delicado ecossistema do planeta, causando intensas alterações climáticas, e ao mesmo tempo impõe um molde extremamente prejudicial de mercado e economia às regiões onde se aplica.

É um modelo essencialmente irracional, pois não há qualquer preocupação com o desenvolvimento da sociedade que a circunscreve, com a manutenção aproveitável dos mesmos recursos, ou mesmo com a contrapartida econômica que daí seria obtida: é um modelo que remete ao colonialismo predatório, que transporta para a Amazônia todas as mazelas decorrentes da exploração dos recursos vegetais, minerais e energéticos sem que do produto disto se aproveite uma mínima fração para preservação do ecossistema e para melhoria da qualidade de vida regional. A posição dúbia do Estado Brasileiro em relação a esse problema coloca em evidência a ameaça que sofre a Amazônia, que tem cada vez mais atenção dos produtores e exploradores sem que haja proteção efetiva de seu ecossistema, de seus povos e de sua diversidade biológica e social – o que impede a emancipação e o pleno desenvolvimento da sociedade local e a preservação do recurso natural por excelência que nos é o bioma amazônico.